Intervenção psicanalítica
A intervenção psicanalítica na UTI neonatal se caracteriza entre outras coisas, por um atendimento de urgência que acontece frente a uma situação aguda, na qual se encontra o bebê e seus pais. A internação do recém-nascido, se apresenta aos pais como uma abrupta separação e como uma possível ruptura no percurso simbólico construído até o momento do nascimento. Estamos atentos aos possíveis efeitos dessa experiência e quais os desdobramentos para a relação pais-bebê. Por esta razão, considerar o bebê um sujeito em constituição a ser escutado em sua própria linguagem, faz com que o trabalho possa ser realizado, nem antes ou depois de qualquer sinal de risco ou sofrimento psíquico, que eventualmente possa se instalar, mas a tempo de se ocupar da reanimação dos laços simbólicos.
Mathelin (1999), aponta que o trabalho de reanimação da criança está para além da reparação de um funcionamento orgânico deficitário, pois os procedimentos clínicos com vistas à normalização das funções vitais do organismo, não devem ignorar as funções simbólicas que presidem a estruturação da criança como sujeito.
Segundo Myriam Szejer (2016), no seu nascimento, o bebê passa para uma forma de autonomia de sujeito, já desejante e sensível à linguagem na qual ele vai ocupar seu lugar, com sua própria subjetividade carregada de história que lhe precede e lhe atravessa. Esta história que ele herda de seus antecedentes é feita também de palavras, e com base nas teorias psicanalíticas que preconizam falar com os bebês e a percepção sobre as competências destes. De acordo com Erika Parlato-Oliveira (2011), o bebê desde o seu nascimento, apresenta formas específicas de comunicação para com o outro.
É possível oferecer ao bebê palavras que lhe contem sua história, que contém aquilo que lhe acontece falar ao bebê e oferecer-lhe tempo para resposta, um tipo de interaçãoque permitirá que ele se reorganize e se “sustente” pela palavra. A comunicação entre o bebê e outro (pais e equipe), é que vai permitir que este bebê ocupe um lugar de sujeito e não de objeto. (Szejer, 2019)
Intersubjetividade do bebê
A teoria da intersubjetividade inata proposta por Colwyn Trevarthen, postula que o bebê nasce com uma consciência receptiva dos estados subjetivos de outras pessoas, e busca interagir com elas. (Trevarthen, 2019). Ressalta que a resposta reflexa se difere dos comportamentos expressivos durante uma conversa, quando as interações são calmas e agradáveis, e dependem da manutenção de uma atenção recíproca com sincronização rítmica de expressões vocais curtas, bem como de movimentos e gestos. Essas expressões são reguladas mutuamente, realizadas por cada um na sua vez, e assim adultos e bebês exprimem uma intersubjetividade mútua e os pais sentem que “falam” com um ser humano. (Trevarthen, 2019).
O corpo do bebê tem um modo privilegiado de expressão com sua linguagem multimodal, neste sentido, precisamos deixar que ele se apresente e que nós estejamos dispostos a aprender a interpretá-lo, sustentando que, mesmo frente a uma limitação no corpo, naturais ao bebê, somadas a uma dificuldade imposta por uma doença orgânica, o bebê é capaz de se apresentar de forma ativa e produtiva na relação com o outro.
A escuta aos bebês e seus pais, permite por meio da construção de um discurso para além do evento traumático, o reconhecimento de um lugar simbólico para o bebê, e a partir da reanimação dessa relação, em um processo de dupla constituição, ainda que em situações extremas, possam emergir pais e sujeito.
Caroline Lucirio
Psicóloga e psicanalista; Especialista em Psicanálise, Perinalidade e Parentalidade, e com formação em intervenção psicanalítica com bebês em risco psíquico. Capacitada à aplicação do protocolo PREAUT (Programme Recherche Evaluation Autisme); Aprimoramento em Psicologia e Psicanálise na Maternidade pelo Hospital São Luiz Rede D’Or atuando em UTI neonatal, perinatologia e centro obstétrico. Atuou no CRIA (Centro de Referência da Infância e Adolescência) – UNIFESP – com bebês de 0 a 3 anos. Atualmente, atende em consultório particular, participa da Clínica Pais- Bebê do Instituto Langage (SP) supervisionada pela Profa. Dra. Erika Parlato-Oliveira e é membro fundador da Associação La Cause des Bébés Brasil.
Contato: Email: carol_lucirio@hotmail.com Fone: 11 97611-4171