O brincar do bebê: exploração e descoberta

Sim, os bebês brincam! Brincar é uma atividade essencial, pois ocupa a maior parte do tempo de um bebê: se não está em atividades de cuidados pessoais, se lança a observar o entorno, se movimenta, explora objetos e materiais. Isso acontece quando ele está há um tempo sozinho, ele brinca e se ocupa dele mesmo a partir do que sente e percebe, ou seja, sem o estímulo de um adulto.

Alguns fatores são fundamentais para que este brincar livre e exploratório aconteça:

  1. ter estabelecido uma relação de vínculo com um adulto para se sentir seguro, confiante e se lançar em investigações com os objetos, materiais e espaços;
  2. estar com suas necessidades satisfeitas para brincar com prazer e bem-estar;
  3. vestir roupas confortáveis e ter um espaço pensado pelo adulto com materiais adequados.

Por meio do brincar os bebês passam por experiências e vivem explorações de todo tipo, se desenvolvem, aprendem e interagem. Duas linhas pedagógicas têm sido referência, entre escolas e famílias, para pensar o brincar dos bebês: o brincar livre da abordagem Pikler e a abordagem do Brincar Heurístico.

Liberdade para brincar

O brincar livre inspirado na abordagem Pikler é uma atividade autônoma que acontece por iniciativa própria do bebê, ele aprende a partir das próprias ações: um recém-nascido observa o entorno, descobre suas mãos sem mesmo saber que são suas, agarra um paninho deixado ao seu lado e se diverte, até aprender a controlá-las com certa intencionalidade, mais tarde descobre diversas possibilidades de manipulação dos objetos com as mãos.

É possível presenciar cenas em que percebe as relações entre os objetos a partir de suas características, agindo com intencionalidade, testam e experimentam diversas ações. Em um mundo cheio de novidades para descobrir, leva tempo para cada uma dessas descobertas se consolidar. O bebê tem necessidade de ser ativo, repetir diversas vezes, fazer o caminho que parece ser mais difícil para os adultos. Ele tem prazer e se diverte dessa forma. A interação e a brincadeira com o adulto são fundamentais, estar juntos e brincar em diversas situações cotidianas, porém essa perspectiva destaca a necessidade de um tempo reservado dentro da rotina para que essas pesquisas aconteçam.

Brincar de colecionar objetos faz parte do repertório do bebê que começou a andar: perceber peças iguais pela forma e depois cores; escolher e comparar coisas que estão ao alcance do seu olhar; recolher e juntar grande quantidade de objetos. Ao parar de usar a coleção, quer guardar para conservar esses materiais. Se outros bebês se interessam pelos mesmos objetos e é preciso compartilhar, ele vai negar ou mesmo abandonar tudo.

As construções também ganham espaço no brincar do bebê e é comum observar peças empilhadas, enfileiradas, ordenadas e explorações com objetos. O bebê passa longo tempo nessas pesquisas e desenvolve suas habilidades.  Experimenta diferentes superfícies, brinca em cima do tapete, no chão, na mesa; em uma superfície inclinada, irregular, explora o equilíbrio, as formas, os tamanhos, os pesos, e precisa fazer diversas escolhas e testes. Assim, cria-se um repertório de ações sobre essas construções.

Se o adulto não der esse espaço para uma exploração mais autônoma e natural, o bebê pode ficar dependente do adulto para brincar. Se ele não consegue encaixar um bloco de madeira, deixo-o tentar, encaixar da forma como conseguir ou mesmo abandonar aquela exploração. Ele está aprendendo! Se está construindo uma torre e coloca a peça menor ou mais leve por baixo e a maior ou mais pesada por cima e cai tudo, deixo-o perceber sozinho. Se o adulto intervém e mostra como se faz o bebê vai chamar toda vez o adulto para fazer e deixará de experimentar por si mesmo.

Já o adulto que consegue reservar um tempo para o bebê brincar livre, observa os interesses, curiosidades, manipulações dos objetos e as explorações corporais. Nessa perspectiva, o papel do adulto é observar, falar apenas o necessário, deixar o bebê resolver suas pequenas disputas e frustrações, antes de fazer uma intervenção direta. Dentro dessa proposta mais observadora e silenciosa, o adulto se comunica com o corpo todo (um sorriso, um olhar, um gesto, uma aproximação, um toque), comenta os progressos, mas sem fazer perguntas, sugerir, direcionar ou mesmo comemorar e elogiar demasiadamente.

Esse brincar pela iniciativa do bebê fica cada vez mais elaborado: cria uma gramática de ações a partir de erros, acertos, mudanças e comparações do que pensou em fazer inicialmente e do que aconteceu.

O movimento faz parte do brincar, então preparar um espaço seguro e garantir diversas experiências com o movimento corporal como rolar, rastejar, engatinhar ou andar é essencial. Os bebês devem ficar em uma postura confortável para conseguir manter e/ou sair por conta própria, assim não precisam se preocupar com o equilíbrio do corpo e colocam toda sua atenção na exploração dos materiais. E caso o objeto se distancie ou esteja longe, o bebê consegue ir por conta própria buscar o que deseja.

Lugar de bebê brincar é no chão! Se o chão não for de madeira, coloque um tapete, uma esteira por cima, algo que o bebê não fique no chão gelado, mas consiga se movimentar. O bebê conforto ou qualquer outro equipamento que sustenta o bebê limita o movimento e a possibilidade desse brincar acontecer.

Brincar e pesquisar

A abordagem do brincar heurístico, assim como o brincar livre, é um brincar capaz de aguçar a curiosidade do bebê por meio da possibilidade de manipular materiais pré-selecionados por um adulto. Os materiais podem ser comprados, confeccionados ou colhidos da natureza e devem oferecer estímulos sensoriais diversificados (tato, olfato, paladar, audição, visão e movimento corporal).

Esse brincar começa quando o bebê já se senta por conta própria e pode ficar em volta de um cesto, que sustenta o bebê nas suas explorações já que o adulto não fica o tempo todo com ele, e os brinquedos comuns, frequentemente, são deixados de lado. Há uma fascinação dos bebês e crianças pequenas pelos objetos do cotidiano, que não são um brinquedo comprado.

Para preparar esse brincar chamado de cestos de tesouros, considera-se a variedade e a qualidade dos objetos selecionados e um cesto para que haja facilidade de alcance e escolha dos objetos. Para cada sentido há algumas variáveis como textura, formato, peso, cheiro, sabor, som, cor, forma, brilho e medida/comprimento. E que tipos de objetos seriam? Naturais, feitos de materiais naturais, de madeira, de metal, de couro, têxteis, borracha, pele, papel, papelão etc. Também é preciso atenção para segurança dos bebês para que não tenham peças que possam ser engolidas, cortantes e que sejam laváveis, secáveis ou descartáveis. A ideia é ter o mínimo ou não ter plástico e brinquedo comprado.

A partir dessa proposta o bebê é exposto a diferentes aprendizados tanto dos objetos, quanto de si mesmo. Ao observar a exploração dos bebês ao redor desses materiais é possível acompanhar as descobertas e a concentração pelo qual eles se mantêm e compartilham com o adulto pelo olhar, balbucio ou emoções. O bebê explora com autonomia, do jeito dele, por exemplo, não é preciso mostrar que um objeto faz um som, ele descobrirá por iniciativa própria.

Nessa exploração os olhos, mãos e boca (em um segundo momento, o movimento corporal) trabalham juntos implicados em descobrir o que é aquele objeto e o que ele pode fazer. São ações como sugar, lançar, sacudir, bater, relacionar e selecionar os objetos mais interessantes que bebês colocam em prática com muito engajamento, além de verificarem as diferenças entre os objetos e os que lhe trazem sensações agradáveis e desagradáveis. Todo o corpo está envolvido na exploração, usam até os pés para segurar, sentir objetos e comunicar algo.

Nesse brincar, se o bebê está em um coletivo, se interessa pelo outro e pela atividade do outro num processo de interação, ao mesmo tempo manipulam[L1] , escolhem e exploram os objetos do cesto. Então é comum que se comuniquem por meio de sorrisos, olhares, toques, balbucios (ou mesmo pelas primeiras palavras), compartilhem do mesmo objeto e entrem em disputas. O objeto funciona como uma ponte para essa troca interativa.

Como o cesto dos tesouros possui diversos objetos, o que pode gerar certo estranhamento, sensações e entusiasmo, o adulto tem esse papel de apoio tanto das emoções que essa exploração pode trazer, quanto nas interações com outros bebês. Para que o cesto de tesouro continue sendo interessante e um lugar de descobertas, é preciso que ele se renove, que ganhe novos itens e que alguns sejam retirados. Há também a possibilidade de criar cestos por temas.

Para os bebês que já andam, o ideal é preparar um ambiente tranquilo que favoreça a concentração, com um bom tempo para exploração dos materiais.  É preciso renovar e ampliar os tipos de materiais e objetos oferecidos, considerando a necessidade de recipientes para contenção de objetos menores. Alguns começam a criar funções para os objetos e qualquer coisa pode se transformar em um carro, pássaro ou o que quiserem imaginar. É comum observar ações como colocar e tirar, encher e esvaziar, abrir e fechar, agrupar e separar, empilhar e derrubar, tampar e destampar, encaixar, jogar, apertar, esticar, comparar, girar, empurrar, dentre outras. Descobrem se determinados materiais cabem ou não dentro de outros, que uns são grandes e outros pequenos, alguns encaixam bem outros nem tanto, alguns são agradáveis e outros não, alguns rodam outros são quietos, uns se sustentam outros caem, verificam o peso, o equilíbrio… Um brincar com muita exploração (das qualidades, capacidades e comportamento) e combinação dos objetos.

Nesse brincar observamos a estruturação do pensamento, as ações, as relações entre os bebês e o uso da linguagem. Também são convidados a recolher e guardar os objetos no término da sessão. Essas formas de brincar têm valor fundamental no desenvolvimento integral (cognitivo, psíquico, físico e social) dos bebês. Mostra-nos que aprendem por eles mesmos sem a necessidade de o adulto ensinar tudo e sim como um parceiro que confia e valoriza a capacidade e potência. Que está aberto, disponível e interessado no que o bebê faz.

Marcela Chanan                                                                                        

Pedagoga e Arte Educadora, trabalha há 15 anos com educação. Especialista em Educação de 0 a 3 anos pelo Instituto Singularidades, fez intercâmbios pedagógicos na França e na Argentina para estudar a abordagem Pikler. Atua com Formação de Professores e mantém estudos, há 3 anos, na área de psicanálise no Instituto Sedes. É idealizadora do Blog Cultura Infantil e atualmente Professora de Educação Infantil da Prefeitura Municipal de São Paulo.

Contato: E-mail:   marcelachanan@gmail.com   Telefone 55 11 994948383


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