Espaço de convivência Maribél de Salles de Melo

ESPAÇO AMARELINHA: um lugar de acolhimento e tratamento

O saber sobre a história familiar

Atualmente as famílias estão muito sozinhas nos cuidados com os filhos às vezes encontram-se sós por estar longe de pais e parentes ou por não considerar importante a transmissão do saber familiar, mesmo tendo um companheiro ao lado, ou alguns familiares, não podem contar com sua ajuda.  

O período da gestação também é vivido de modo muito solitário, considerando-se que ao longo da história, a construção da maternidade já foi envolvida por uma transmissão de conhecimentos realizada em momentos gostosos de troca, rodas de conversa entres várias gerações de mulheres, incluindo vizinhas, em que cada uma falava de sua vivência.

Nesses encontros, as mulheres teciam as mantas, roupinhas, sapatinhos e junto eram tecidos também os planos, os sonhos, a escolha dos nomes. As avós, com sua experiência, discorriam sobre como deviam ser os cuidados com o bebê: como dar o primeiro banho, tratar do umbigo, identificar os chorinhos. Essa mãe contava como a futura mãe tinha sido quando nasceu, como gostava de dormir, quais músicas preferia ouvir ao ser ninada e, com esses relatos preciosos, apareciam igualmente a necessidade dos cuidados que devemos ter com a mulher no pós-parto: o repouso, a tranquilidade, a segurança. Ser cuidada para poder cuidar do bebê. 

Desamparo

O saber familiar tem dado lugar ao conhecimento encontrado nas redes sociais, na internet, nos médicos (sim, devemos reconhecer que eles têm informações importantes). Mas isso é muito diferente da transmissão familiar que fala do saber singular de cada família, que promove uma identificação dos pais com o bebê possibilitando o exercício das funções materna e paterna responsáveis pela estruturação de um sujeito. Esse contato é muito diferente de falar sobre os cuidados com as necessidades básicas ou de qual é a melhor cadeirinha de balanço com música que deve ser comprada. 

É importante resgatar esse saber valioso dos avós e bisavós pois essa sabedoria possibilita que os pais construam o seu conhecimento sobre a maternidade e a paternidade, esse saber não pode ser transmitido via internet ou através dos livros, ele precisa ser pautado nos significantes familiares que de geração em geração apostam e antecipam as produções da criança, de acordo com o significado próprio de cada família, o que permite que o bebê realize o que é proposto. Só assim ele pode se apropriar de suas competências e se desenvolver como sujeito apoiado em uma rede simbólica, essa transmissão deve ser perpetuada. Em um reconhecimento dos pais para com seu filho permeado por um prazer compartilhado.

Espaço de convivência: lugar de encontro e socialização

A proposta desse espaço de convivência foi idealizada com base na experiência da pediatra e psicanalista Françoise Dolto, que criou a Maison Verte (ou Casa Verde, em português), aberta em 1979, em Paris, na França, como um lugar de encontro e socialização. A fim de reconhecer essa importância, gostaria de compartilhar essa experiência que vem sendo desenvolvida em Londrina, no Paraná, desde março de 2016, Em uma instituição do terceiro setor (OSCIP) Espaço Escuta, projeto vinculado ao SUS.

O espaço de convivência é também um local para brincadeiras, e como brincar é um constituinte importante do sujeito, demos a ele o nome de ‘Espaço Amarelinha’. A origem do jogo inventado pelos romanos, marca a passagem do homem pela vida.  As gravuras mostram crianças pulando amarelinha nos pavilhões de mármore nas vias da Roma Antiga.  

O Projeto Espaço Amarelinha semelhante da proposta inicial da Maison Vert, visa proporcionar um lugar de convivência para as famílias com seus bebês e crianças de até três anos, mas é também uma proposta clínica de intervenção precoce.

No Espaço  Amarelinha, como há esse objetivo de intervenção clínica com um olhar para a relação mãe-bebê e também para a constituição subjetiva, oferecemos um lugar para cuidar dos pais, onde eles podem se escutar na construção dessa relação e compartilhar suas histórias, contando e recontando, fazendo um resgate ou escrevendo e inscrevendo sua própria história, sua relação de cuidados com o bebê. A equipe que atende, avalia e intervém quando necessário fazendo um reconhecimento das produções da criança, tanto nos aspectos psíquicos como no que diz respeito à construção da inteligência, na exploração dos objetos, nos aspectos psicomotores, de hábitos e de linguagem.

O grupo tem um funcionamento muito interessante:  montamos uma sala ampla com tatames e deixamos alguns brinquedos à vista, tais como carrinhos, blocos de lego, bonecos, panelinhas e arcos. O objetivo é construir brincadeiras e dar vida aos brinquedos. Por isso os objetos são simples, nada de apertar botões com música, pois esses são brinquedos que não exigem criatividade. 

Os responsáveis pelo grupo (dois profissionais) apresentam a proposta aos pais e, inicialmente, os profissionais se envolvem nas brincadeiras, buscando ver o que desperta o interesse das crianças, partindo do desejo delas e, aos poucos, incluem os pais no processo. A partir do envolvimento dos pais, os profissionais se retiram para que eles construam e compartilhem as brincadeiras com seus filhos. 

No início era muito difícil, eles quase não participavam e muitos não sabiam mesmo como brincar. Aos poucos, foram aprendendo, gostando e se divertindo. Outro momento interessante, que acontece espontaneamente, são as conversas entre os pais sobre questões fundamentais para o desenvolvimento, como os horários de sono e o lugar onde o bebê dorme, as mamadas, a introdução de novos alimentos, a seleção ou a recusa alimentar, as dificuldade para estabelecer limites, o desmame e a entrada na escola, entre outros temas que os profissionais escutam, acolhem e trabalham com efeitos significativos, pois podem reconhecer o saber desses pais que já elaboraram algumas questões importantes e podem servir de espelho para os outros pais. Há momentos de troca, em que as crianças brincam entre elas e os adultos, com os filhos dos outros; há também ocasiões em que os pais procuram os profissionais para trabalhar algum assunto específico, são grupos de trabalho com duas horas de duração e as vezes existem vários desdobramentos. 

Momento de concluir

Após três anos e meio, observamos que essa prática possibilita um cuidado com os pais e um reconhecimento do seu saber sobre a criança, e isso os autoriza a se reposicionar frente às funções parentais, e a desenvolver um brincar e um cuidado envolvidos por um prazer compartilhado, sentindo-se menos sozinhos. Se identificam percebendo muitas questões comuns e alguns pais que já elaboraram suas questões servem de espelho para os que estão vivenciando conflitos e angústias similares, nessa convivência conseguem supor possibilidades nos filhos e fazer planos para esses, construindo valores para sua família.

As crianças que chegam com indicadores de risco para o desenvolvimento, vivem trocas diferentes das  propostas pela escola, pois há mais de um adulto para cada criança, e podemos avaliar, identificar e nomear para elas o que vivem, permitindo que se reconheçam e  se apropriem dessas vivências, lidando com limites e frustrações. A importância da presença dos pais faz com que as histórias familiares circulem e sejam transmitidas para os filhos. Permite também que se identifiquem com o semelhante e aprendam a lidar com a separação em presença, pois aos poucos podem se distanciar sabendo que os pais estão por perto. Sabemos que essas experiências não são sem sofrimento, envolvem dificuldades e descobertas, encenadas pelo brincar que marcam a passagem do homem pela vida como na Amarelinha.

Maribél de Salles de Melo

Psicóloga (PUC- PR, 1991), especialista em Estimulação Precoce (2015); e em “Clínica interdisciplinar dos problemas do desenvolvimento infantil”(2008 – Centro Lydia Coriat); Diretora clínica e terapeuta em Estimulação Precoce no Espaço Escuta Londrina PR e do Centro Mãe Paranaense (2013 a 2017); Docente do Centro Lydia Coriat na especialização em Estimulação Precoce (2018) da Faculdade Inspirar, na Pós- Graduação em Enfermagem e saúde neonatal; na Pós-Graduação em Saúde Mental na APS. PELA SESA, FUNDSAUDE-ESPP-CFRH; Membro da REDE BEBÊ psicanalista membro e membro fundador APC (Associação Psicanalítica de Curitiba- PR). artigos publicados: nos livros Travessias e travessuras no acompanhamento terapêutico (Ágalma, 2017) e Psicanálise e Ações na Primeira Infância (Escuta, 2012) Marcas da Singularidade e da diferença: o que as crianças e adolescentes nos revelam (Instituto Langage, 2018) entre outros. Contato: e-mail: maribelmelo@hotmail.com Fone 43 99661-0261

 

 

 

 

 

 

 

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