Entrevista com a pioneira da sensorialidade fetal, Marie Claire Busnel Deixe um comentário / Edições Anteriores / Por Revista Crianças Pioneira na sensorialidade fetal, pesquisadora importante nas descobertas da vida intrauterina e professora honorária da Université Paris Descartes (Paris V), Marie Claire Busnel concedeu entrevista a Erika Parlato-Oliveira e Mariana Negri, em janeiro de 2020.Marie Claire Busnel inovou e contribuiu decisivamente com o avanço dos estudos sobre o bebê. Iniciou suas atividades em laboratório de biologia molecular, seguindo para a etologia, ciência que estuda os costumes humanos em seus habitat natural, aproximando dos trabalhos de comunicação animal. Orientou pesquisas no domínio da comunição entre seres animais e humanos e o impacto que da relação acústica sobre o comportamento. Atualmente, dirige juntamente com Erika Parlato-Oliveira, a Coleção “Bebês sapiens” do Instituto Langage. Grupo (G): Como surgiu a ideia de pesquisar a comunicação de bebês intraútero? E a escuta ainda no período gestacional?Busnel: Eu trabalhava sobre os efeitos do barulho, em fisiologia. E como esse tema era muito amplo e temos muitas variáveis, seria impossível encontrar uma resposta confiável. Há uma coisa que nós podemos eventualmente considerar: idade e atividade. Então efetuamos essa pesquisa sobre o feto, quando idade e atividade estão quase no mesmo estado, o que não é verdadeiro mas é mais fácil de controlar. Para isso, trabalhei com camundongos geneticamente surdos. Pudemos avaliar os bebês surdos de mães ouvintes e os bebês ouvintes de mães surdas. O que permitiu responder a uma das minhas questões: havia um efeito do barulho no feto? Caso houvesse, isso passava através da mãe, sendo ela surda e seu bebê ouvinte, e vice-versa? E ainda, haveria um efeito real sobre o bebê, sendo ele surdo? No caso, o feto do camundongo seria ainda mais surdo, porque a audição do camundongo desenvolve-se após o nascimento.G: Quando surgiu essa hipótese?Busnel: Próximo da década de 80. Época em que o feto humano ainda era considerado surdo. Dessa forma não poderia ter efeitos. Meu questionamento era se o ruído poderia prejudicar ou não a audição do bebê intra útero. Então nós nos surpreendemos muito ao encontrar nos camundongos um efeito independente de serem surdos ou ouvintes. Na época pensávamos que apenas o órgão terminado era capaz de exercer atividade funcional. Hoje sabemos ser falso. Os resultados foram surpreendentes tanto para mim quanto para os outros, dificultando convencê-los a admitir esses achados. Nesse momento disse: e para o feto humano, também considerado surdo? E foi assim que comecei, não para saber se ele escutava, mas saber se havia um efeito do ruído. E quando percebemos que isso ocorria, questionamos: por onde esse efeito passa? Será que ele realmente é surdo?G: Então como isso acontece?O bebê escuta mais frequentemente a voz materna. O primeiro ponto foi pedir às mães que falassem. Nós testamos um ruído de base, uma música, a voz da mãe, a voz de outra pessoa e um ruído que fizesse o bebê levar um susto. Esse por último, pois já sabíamos que encontraríamos um efeito. Percebemos que a reação melhor era a voz da própria mãe, algo esperado, mas na época parecia impossível. Todos os meus colegas cientistas me disseram que havia ocorrido um erro, que não era possível. Eu aplicava um questionário para saber um pouco sobre a história em torno do bebê e se a mãe falava com ele antes do nascimento. Quando trabalhei com prematuros, era mais fácil controlar as variáveis do que com o feto. Nós podíamos medir o ritmo dos batimentos cardíacos e, ao mesmo tempo, víamos os bebês. Observei que quando a mãe chegava ao serviço[L1] , como toda unidade de prematuros, ela passava por um ritual (lavar as mãos, avental e máscara), e ainda longe da incubadora, o ritmo cardíaco do bebê já alterava. Ou seja, ele sentia que sua mãe chegava.O segundo era perguntar para a mãe: “você falava com o bebê antes dele nascer?”, como controle de variável. E uma mulher que me respondeu: “Sim! Mas nós não precisamos falar para nos entendermos”. E pensei: “ela tem toda razão!” e foi assim que eu introduzi na pesquisa “a mãe fala a seu bebê em voz alta e silenciosamente”. E isso fez toda a diferença. Foi num congresso de etologia em que ia apresentar esse trabalho, uma colega me disse que era melhor eu inventar alguma desculpa para não o fazer, pois seria considerada ridícula. Mesmo assim eu fui, não me deixei intimidar. Ainda hoje, tem comentários: “Madame Busnel tem trabalhos iniciais bons, mas outros…” as pessoas não conseguem aceitar, mas um dia isso será aceito. E eu espero que as pessoas possam lembrar que fui eu quem comecei, e com sofrimento na época.G: Gostaria de compartilhar uma história, minha filha nasceu na França, mas até os 6 meses de gestação eu estive longe do meu marido fisicamente, o que o levou a conversar e cantar em dois outros idiomas por chamada de vídeo, até mudar-me e ele continuar até o final da gestação. O dia que ela nasceu, ele logo cantou e ela tranquilizou-se, parando de chorar. Para mim foi muito interessante e toda a equipe ficou emocionada.Busnel: Temos dois exemplos como este. A minha colaboradora, Caroline Grenier-Deferre, com quem eu trabalhei, em um programa de televisão falou sobre as pesquisas. Eles apresentaram dois bebês de dois meses, um cuja mãe era harpista e outro cuja mãe adorava jazz. Então nós pudemos testar os bebês fazendo-os escutar harpa e jazz. O primeiro bebê dormiu ao som da harpa e acordou chorando ao ouvir jazz, algo normal. Mas o bebê que tinha o hábito de ouvir jazz, dormiu com este som e acordou chorando quando ouviu a harpa, que não é algo comum de se esperar. Outra situação é de um casal de amigos, ela é norte-americana e ele alemão, idiomas com gramáticas diferentes, os filhos deles aos três anos falavam inglês com a mãe e alemão com o pai, sem nenhuma dificuldade gramatical. Eles tinham duas línguas maternas. Nós devemos sempre oferecer a própria língua materna aos bebês, desde o útero.G: O que poderíamos dizer decorrente da mudança de habitat decorrente do nascimento?Busnel: O nascimento é conjuntural, mas poderíamos anemizá-lo, através da voz. Sabemos que o bebê escuta, sente gosto, antes do nascimento. Mas, na prática, esse conhecimento não é aproveitado. O nascimento é insuportável, por não darmos ao bebê as condições aceitáveis. O bebê supera o acolhimento inapropriado, mas não sabemos o que eles pensam. Sempre pergunto-me se não haveria uma memória, provavelmente, considerada como o que lhe dava segurança, de forma inconsciente. Penso que deveríamos prestar mais atenção à memória celular. Nós não pensamos muito nesse tema.G: Quando nos fala do bebê capaz, gostaríamos de escutar sobre as novas configurações familiares, no contexto da gestação por substituição.Busnel: Acredito ser o mesmo de não considerar o feto um ser humano. O feto que “se vire”. Eu já discuti bastante com profissionais sobre aspectos da técnica utilizada. A verdade é que se uma mulher tem o desejo de uma criança, faz-se bem lhe fazer, naturalmente. Para mim, nessa condição o feto não parece estar implicado na sua história. Desde o início, ele não é inerte, nem o espermatozoide e nem o óvulo. Na gestação por substituição, o feto se desenvolve no útero de uma mulher ciente que vai lhe deixar. Certamente não terá a mesma relação com a pessoa que o irá carregar. E mais, pode ser um problema grave para a mulher que o carrega e deixá-lo depois. Acredito que possa ser uma catástrofe para a criança. Parece impossível de conceber, por enquanto, a percepção pelo feto. Por que o tratar como um corpo sem percepção? Certamente, ele não tem a mesma que nós, mas ele responde à atração de um óvulo, então ele é sensível a alguma coisa.G: Em qual momento poderíamos entender que a célula passa a “escutar”?Busnel: Devemos evitar dizer “escutar”, pois isso é realmente realizado com as orelhas, mas há provavelmente vibração da voz que vão ser ressoadas nas células e irão deixar marcas. As células vivem no mundo vibratório, e por que esse mundo vibratório não a influenciaria? Precisamos demonstrar. Nosso papel atualmente é influenciar os cientistas a investigar essas questões e tentar respondê-las.Ao centro abaixo: Marie Claire Busnel. Em pé: Terezinha Liborio Ferreira, Luciene Godoy Lima, Carolina Janot, Erika Parlato-Oliveira, Alexsandra Moura Mendes, Dulcinéia Alves dos Santos, Mariana Negri.