Livro: Saberes do Bebê
Erika Parlato-Oliveira, Saberes do Bebê. São Paulo: Instituto Langage, 2019; 96 p: 17 cm
Por décadas a fragilidade física do bebê foi generalizada para as suas funções psíquicas. Não é de se admirar que, principalmente, a partir dos anos 80, começamos a ouvir a palavra “surpreendente recém-nascido” para designá-lo. Paralelamente as descobertas de suas competências, começaram a surgir questionamentos sobre o determinismo da função materna no seu desenvolvimento e constituição do seu psiquismo. Pesquisas em todas as áreas, principalmente na Psicologia do Desenvolvimento e o uso de registros fílmicos, permitiram que o bebê deixasse de ser visto como uma tábula rasa, passivo ao que lhe for apresentado. Avançou-se bastante com descobertas que provaram ser ele um ser ativo, inclusive na vida pré-natal.
Saberes do Bebê, segundo livro de uma coleção proposta pelo Instituto Langage, iniciada por Trevarthen, Parlato foca na sua experiência da clínica psicanalítica e de pesquisadora na sua área de atuação, fazendo com que o leitor acesse de forma simples e, ao mesmo tempo, profunda, as novas informações sobre as competências do bebê no processo de aquisição da linguagem. Tem como objetivo ressaltar que a “linguagem não é língua”, campo não é função, que a língua é importante, mas não a absorve, não é o único acesso. Também, mostrar “a amarração que a linguagem faz para que os sentidos sejam fonte e lugar da subjetividade.
Apresenta-nos uma tese, apoiada em diferentes autores, inclusive das novas teses da epigenética, que não há determinismo, nem pela natureza, nem pelo outro, e, sim, há liberdade. Nascemos com heranças, mas o herdado vem com ‘furos’ que nos permitem compor nosso repertório representativo de forma singular. Segue, sustentada pelas novas informações, pesquisas as quais relata nesse texto, que o bebê é dotado de um saber interpretativo, capaz de reconhecer objetos, o outro e os estímulos como elementos de valor e sentido, de distinguir a qualidade dos objetos e fazer escolhas baseadas na percepção que ele construiu acerca do mesmo. Dessa forma, a autora vai deslizando por resultados de pesquisas que explicitam as competências na área da organização perceptiva do recém-nascido, mostrando especificidades dessa construção linguística e relacional. A construção da singularidade passa pela construção de ritmos, interações numa temporalidade que pode ou não ser sincronizada com o cuidador, produzir sofrimento ou encontro entre a dupla. E esse ritmo, do corpo do bebê e de quem o escuta, tão bem descrito nessa obra, vai produzindo saberes subjetivos sobre esse sujeito que se constitui.
O manhês, linguagem materna fundamental para a constituição de ‘encontros’ é discutido com especificidades da linguística e da psicanálise de forma a proporcionar ao leitor uma integração importante do físico e do psíquico interagindo. Para além de um sujeito incipiente que imita, temos um sujeito bebê que propõe trocas e provoca o outro a responder, já demonstrado por pesquisas na década de 70 e mais recentemente, pesquisas que revelam diferenças culturais na proto-conversação. Para presentear os leitores não familiarizados com o assunto, a autora discorre de forma clara e concisa sobre as metodologias usadas nessas pesquisas comentadas e fundamentadas por ela. E como o que não sabemos sobre o bebê ainda supera o que sabemos, que venham outros volumes dessa coleção!
Vera Blondina Zimmermann
Psicanalista, Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto SEDES SAPIENTAE; Dra em Psicologia Clínica PUC-SP; Membro da Rede Internacional de Estudos sobre Psicopatologia Psicanalítica do Infans; Professora afiliada do Departamento de Psiquiatria da (UNIFESP) Universidade Federal de São Paulo onde participa da formação dos residentes em Psiquiatria Infantil e coordena o Núcleo de Bebês com Sinais de Risco em Saúde Mental; coordena também o Curso de Clínica Interdisciplinar da Primeira Infância do Instituto SEDES SAPIENTIAE; autora e co-autora de livros, artigos e reportagens : www.verabzimmermann.com.br;
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