Autismo, uma preocupação presente nos pais atuais?

Como saber quando algo não vai bem?

Atualmente, a ideia de que um filho possa apresentar sintomas ligados ao diagnóstico de autismo preocupa os pais, e a compreensão desse transtorno aponta para uma multiplicidade de fatores em sua constituição, pois há diversas hipóteses para que isso ocorra. Além de características determinadas geneticamente, sabe-se que no desenvolvimento cerebral, os estímulos provenientes do ambiente têm uma real importância na eventualidade de ele surgir ou não. Uma das hipóteses é que possa ter havido um desencontro muito inicial entre o cuidador, isto é, o ambiente de forma ampla, e o recém-nascido provocando comportamentos na tentativa de lidar com esta desarmonia. Em alguns casos, o bebê, devido a diversos fatores, sejam eles genéticos e/ou ambientais, não consegue dar conta de estimulações sensoriais intensas que caracterizam o início da vida pós-natal e necessitará de ajuda. Por isso se deve observar bem o bebê em seu desenvolvimento. O bebê deve, de alguma forma, se interessar pelo outro e estar ativo para o encontro, ter curiosidade pelo rosto de outro humano.

As Criançcas  têm em seu desenvolvimento a tendência a se interessar ao escutar a voz humana, olhar nos olhos dos cuidadores, enfim, interagir para poder advir já que dependem do outro para a sobrevivência física e psíquica.  É dessa interação do seu corpo, que fala por meio do choro, dos movimentos motores em seus pequenos gestos, que o outro responde com seu toque e seu cuidado, que aos poucos vai se desenvolver os balbucios que levarão ao desenvolvimento da linguagem falada e à construção de uma subjetividade.

Considera-se a existência do balbucio já um movimento de entrar em contato com o outro. Quando a mãe ouve, ela responde a esta comunicação primitiva e começa uma interação, mas se o balbucio não existe ou é fraco, os dois lados podem começar a se desinteressar e aí teremos um grande problema. Esse movimento prazeroso, ficará prejudicado e necessitará ser construído. É imprescindível que o bebê seja cativado, pois em algum ponto de seu desenvolvimento isso se perdeu. Muratori, em sua pesquisa, mostrou que muito cedo pode-se observar comportamentos que indicam o risco de um fechamento autístico que muitas vezes só aparece para os pais no momento em que a fala não se desenvolve (Muratori, 2019).

Pode haver um fracasso na constituição da intersubjetividade. Relacionar-se com o outro é sentido como uma ameaça de perigo. Existe um privilégio do sensorial por uma “dessincronização” dos fluxos de sensações, que levaria ao prejuízo da relação com o outro, que implica em suportar o imprevisível e o diferente.

A Clínica que dá lugar ao sujeito

A Psicanálise pensada como uma terapêutica, “cura pela palavra”, tem mostrado que pode ajudar as pessoas com autismo, entre outros saberes, tais como a psicologia do desenvolvimento, a neurociência e a etologia. Entendemos nossa terapêutica como um fazer a dois na relação intersubjetiva. Compreendemos que cada um é um ser único e por isso se observa seu comportamento em uma avaliação microscópica das sessões em conjunto com a dinâmica transferência/contratransferência, pois acreditamos que toda a manifestação tem um sentido que deve ser compreendido, apesar da grande dificuldade de comunicação das crianças com autismo.

O transtorno afeta as pessoas na interação com o outro, isto é, no laço social, e prejudica a comunicação com ausência ou fala peculiar e pode apresentar comportamentos repetitivos (DSM V e CID 10 [1]). Ele produz o fechamento de outras áreas do desenvolvimento se não for atendido prontamente em sua totalidade, e traz profundo sofrimento aos pais e familiares, que muitas vezes percebem algo de diferente no bebê, mas por uma defesa de que a criança não corresponde ao que foi sonhado por eles, ocorre uma negação do que estão vendo.

O futuro é o momento de encontro com o outro.

Atualmente, frente ao aumento de diagnósticos, incrementou-se mudanças nas políticas públicas que regulam as possibilidades e os direitos dessas pessoas. É imprescindível a constituição de uma rede de atenção frente a estas crianças que apresentam riscos no desenvolvimento emocional. Necessita-se atender tanto aos pais, para ajudá-los no convívio com o filho, como a escola nos movimentos de inclusão, e nos diversos serviços de saúde, portanto é uma ação implicada no social. 

Na prática clínica devemos estar abertos ao que os autistas têm a nos ensinar com sua linguagem corpórea, não verbal, pois neste quadro de sofrimento retraído há um ser que tem algo a nos dizer. Precisamos estar atentos para entender cada gesto da pequena criança que não fala, mas que comunica através de sua presença, muitas vezes sem brincar e com a apresentação de rituais com objetos, algo de seu sofrimento que devemos desvendar. Essa aprendizagem na experiência do atendimento ajuda na aquisição de referências para que ela se desenvolva como sujeito desejante.

Essa criança precisa que se converse com ela. Precisamos falar com ela e não sobre ela.  Narrar seu comportamento e escutar suas respostas, mesmo que sejam em movimentos e gestos corporais, para promover o desenvolvimento da intersubjetividade. Falar com a criança ajudará na construção do seu mundo simbólico. Se não se fala com ela, não a estamos considerando como um sujeito que pode desejar, e é necessário desejar para entrar em contato com o outro.

Maria Lúcia Gomes de Amorim

Psicóloga pela Instituto de Psicologia da UFRJ – Especialização em Psicologia Clínica e Adolescentes pelos Institutos de Psiquiatria e Psicologia da UFRJ. Formação em Psicanálise pela SBPRJ. Mestrado em Psicologia pela USM /SP.

Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.  Psicanalista de crianças e adolescentes pela IPA – Associação Psicanalítica Internacional e Membro da  FEPAL – Federação Latino Americana de Psicanálise.   Membro do GPPΔ – Grupo Prisma de Pesquisa em Autismo. Membro do MPASP – Movimento Psicanálise e Saúde Pública. Membro da Clínica de Atendimento Psicanalítico da SBPSP e do Clínica 0 a 3 – Intervenção nas relações iniciais pais-bebê do Centro de Atendimento Psicanalítico da SBPSP. Grupo de estudos sobre transtornos do espectro do autismo com Vera Regina Fonseca, Izelinda Garcia de Barros e Paulo Duarte. Publicou diversos livros em parceria com colegas.

Contato: e-mail:  Marialucia.g.amorim@gmail.com Telefone: Tel. 11 994667040- 3865 1156


[1] CID 10 – Manual de classificação internacional das doenças.

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