Hoje presenciei uma situação que me deixou triste. Não conheço os protagonistas, mas meu coração foi tocado por eles. Estava embarcada num voo destino a BH, para encontrar minha família. Esperava informações do voo, naquele clima tenso antes da decolagem. Os comissários esforçando-se para enfiar as numerosas malas de mão no bagageiro superior.
Havia uma família que logo me chamou a atenção. Tamanho padrão, casal com dois filhos entre sete e onze anos. Acontecia que o filho mais velho estava muito agitado. Eu imaginei que poderia ser um quadro de autismo ou esquizofrenia, pois ele não articulava a linguagem. Gritava, chorava e se debatia entre os assentos.
À medida que o menino intensificava os gritos, fui percebendo no ar a tensão dos passageiros crescendo. Olhares de curiosidade, silêncio para além do usual. Eu observava o pai e o filho mais novo umas cinco cadeiras à frente. Estava atenta, tentando entender como a movimentação ruidosa mexia comigo. A primeira coisa que senti foi medo. Seria um prenúncio de um desastre?
O pai acolheu o filho mais novo no colo, enquanto o gritante ficou do outro lado do corredor com a mãe. Carinha triste do caçula. Quando se dirigia ao pai, nas suas costas, sorria discretamente. Num intervalo de segundos, olhava para o irmão ao lado e o seu rosto se fechava um pouco assustado. Seu aspecto era maduro, apesar da pouca idade. O pai chorava silenciosamente, lágrimas que o pequeno não podia ver.
Tudo pronto para decolar, o avião taxiando e o comandante informa: “Senhores, uma família pediu para desembarcar. Por isso voltaremos ao finger para deixá-los. Teremos que completar o tanque do avião antes de partir novamente.” Fiquei na dúvida se era a família que eu observava que desejava sair. Talvez alguém tivesse se incomodado com o barulho do menino, que a esta hora já estava mais silente. Os dois casos me aborreciam. Lembrei-me que com a experiência da maternidade, acostumei com gritos e choro. E passei a não repudiá-los.
Poucos minutos até que se confirmasse. Era a familinha que deixaria a aeronave. Quando se levantaram, senti o clima do avião relaxar. Eu caí em choro. Chorei pelo possível esgotamento dos pais. Pela viagem que não farão no final de semana. Pelo menino consolado pela decisão drástica dos pais. Pelo irmão pequeno e madurinho que falava baixinho com a mãe enquanto esperava o desembarque. “Mamãe, a gente vai mesmo sair do avião?”. Minhas lágrimas também foram pela mãe que estava visivelmente desvitalizada e pelo pai entregue. Cruzei meu olhar com a vizinha de assento e choramos juntas.
Assim que a família levantou-se e pôs-se em fila na porta dianteira, um homem pulou num golpe para os assentos vazios. Não esperou nem um minuto de luto. Poderia, afinal, desfrutar o voo sozinho na fileira e em silêncio. O olhar da minha vizinha se entregou em dor.
Fiquei pensando o quanto o ideal das coisas nos impede de realizar o que é possível. Eu não conheço as circunstâncias do quarteto familiar, mas depreendi que o mundo está ainda em busca de uma perfeição, ou alternativamente, de uma norma. E pode ser insuportável permanecer, quando se acha que está incomodando.
A decisão pareceu-me dura demais e visualizei alguns finais opcionais. E se eles pudessem sentir-se acolhidos e desejados em meio ao desespero do filho? E se em lugar de um olhar curioso, oferecêssemos um olhar cuidadoso, um sorriso, um abraço, uma pergunta fraterna? Poderiam ter insistido na viagem e ter a oportunidade de dar parabéns para a coragem do seu filho ao desembarcar em BH? Poderia isso ser transformador? Não sei.
Pareciam precisar de apoio para permanecer, mas não lhes foi oferecido e tampouco se autorizaram a causar desconforto. Nem ao filho e nem aos colegas passageiros. E o avião, comigo incluída, silenciou. Longe de ser um acidente aéreo, foi, de fato, um desastre social.
Engenheira Química (Poli – USP), MBA (Insper/SP), Marketing (FDC/SP). Atualmente, atua como consultora na área de empreendedorismo social, escreve e estuda Fundamentos da Psicanálise no Sedes Sapientiae. Mãe de Arthur e mãe afetiva de Bianca e Rafael.
Contato: e-mail: milenatudisco@gmail.com