Estimulação precoce com bebês em UTI neonatal e abrigos residenciais
Vamos compartilhar a experiência de um trabalho com Estimulação Precoce (EP) em um hospital materno infantil da rede pública e, em abrigos residenciais na cidade de Porto Alegre/RS. Este trabalho acontece desde 1992 na UTI Neonatal, sendo ampliado ao longo dos anos para outros espaços do hospital. O acompanhamento dos bebês e suas famílias vem sendo pensado em momentos cada vez mais precoces, com gestantes de alto risco, diagnósticos pré-natais, adolescentes, usuárias de drogas e, a partir do nascimento, na UTI Neonatal e no alojamento conjunto. É importante estarmos atentos fazendo uma leitura sobre o que um bebê é capaz de manifestar acerca de sua condição psíquica e desenvolvimento neste momento de sua constituição, onde está em posição de receber as inscrições primordiais de quem exerce as funções parentais.
Acompanhando os bebês e seus pais no hospital
Ao acompanharmos um bebê durante a internação, estamos atentas às suas reações ao escutar a voz da mãe, seu tônus muscular, os ritmos biológicos, os reflexos inatos e, desta forma, avaliamos o encontro entre o crescimento físico, a maturação do sistema nervoso, o desenvolvimento e a constituição psíquica.
No acompanhamento aos pais, é muito importante que eles possam falar sobre seu filho e, assim, escutamos como está se dando o estabelecimento do seu laço com o bebê. Oportunizamos espaços de escuta em relação às suas expectativas, temores e dificuldades quando algo inesperado acontece e seu bebê necessita de uma internação hospitalar prolongada.
Um nascimento prematuro, a notícia de uma má formação ou de um prognóstico reservado, são alguns exemplos do dia a dia de uma UTI Neonatal, onde os pais vivenciam uma diferença entre o filho idealizado durante a gestação e o filho que nasceu. Os cuidados médicos e da enfermagem, assim como os procedimentos necessários para a sobrevivência, também causam uma separação entre os pais e o bebê, desorganizando os pais quanto às suas referências e expectativas.
As intervenções em Estimulação Precoce na UTI Neonatal são fundamentais porque entendemos que será necessário aos pais reconstruírem seu saber em relação ao filho que, ao nascer, fez emergir algo de inesperado. Por isso é necessário que se ofereça este espaço de escuta, auxiliando a mãe (os pais) e seu bebê nestes momentos iniciais e decisivos para o desenvolvimento e constituição psíquica. Obviamente este processo de reconstrução não se esgota na internação e, por isso mesmo, realizamos o encaminhamento para serviços especializados após a alta.
Estimulação Precoce no hospital. Do que se trata?
Acreditamos que mesmo durante o período de internação neonatal é possível realizar intervenções que produzem efeitos sobre a subjetivação e desenvolvimento dos bebês. No entanto, podem ocorrer interferências no exercício da função materna como, por exemplo, a notícia de uma patologia, síndrome, dano neurológico ou de uma cirurgia. Diante disso, talvez a mãe (os pais) não consiga ter expectativas e, assim, experimenta um apagamento das idealizações que gestou durante a gravidez, ocasionando uma sensação de fragilidade e impotência frente à possibilidade de se ocupar deste filho. Temos convicção de que isso compromete a subjetivação e o desenvolvimento do bebê e, então, trabalhamos a fim de realizar a detecção precoce deste sofrimento que afeta ambos – o bebê e seus pais.
O trabalho em EP (Estimulação Precoce) no hospital busca identificar as questões que citamos acima, bem como intervir orientando e escutando os familiares. Em relação aos bebês, avaliamos e acompanhamos seu desenvolvimento e, quando tem alta, encaminhamos para atendimento em EP para auxiliar que se dê o estabelecimento das inscrições primordiais na relação com seus pais (na função materna e paterna) e o desenvolvimento siga seu curso. Já em relação aos pais, abre-se a possibilidade de reconstruir a filiação e um sentido para as questões inesperadas que emergiram com o nascimento do filho.
Em nosso trabalho também buscamos a interlocução com profissionais da área da saúde, a fim de ressignificar e construir um novo olhar quanto ao diagnóstico e prognóstico do bebê (detecção precoce). Assim, no âmbito do hospital muitos são os espaços onde se podem realizar ações em EP, em parceria com outros profissionais que ali atuam. Na interlocução com os profissionais estamos atentas à identificação de sinais que indiquem que algo não vai bem no desenvolvimento e/ou constituição do sujeito. Nossa conduta vai ao encontro de uma lógica em que acreditamos que a detecção destes sinais possibilita intervenções cujos efeitos redimensionem o risco de se estruturar um quadro psíquico grave ou um descompasso no desenvolvimento.
Do hospital ao abrigo. Por onde andamos?
Com o trabalho na UTI Neo e alojamento conjunto, nos aproximamos de uma pediatra que estava fazendo o acompanhamento e avaliação de bebês que foram expostos a substâncias psicoativas (drogas) na gestação. Acompanhávamos alguns bebês que ficavam aguardando para serem encaminhados para uma instituição ou para algum familiar. Esta realidade de acolhimento de bebês é algo que nos deparamos cada vez mais, devido a um número crescente de mulheres sem condições de cuidar de seu filho devido à dependência da droga e fragilidade psíquica. Assim, esta pediatra solicitou que pudéssemos atender e acompanhar os bebês em EP a partir da alta.
Em alguns casos, quando os bebês foram acolhidos, iniciamos um trabalho com os profissionais dos abrigos, escutando suas preferências e a possibilidade de virem aos atendimentos, especialmente quem estava mais próximo do bebê e, por isso, sendo uma referência para este e auxiliando na construção de sua história.
O trabalho da Estimulação Precoce nos abrigos residenciais
A primeira experiência no trabalho com abrigos foi através da solicitação de uma psicóloga que atuava em uma casa que acolhia bebês e crianças pequenas, preocupada em relação ao atraso no desenvolvimento que algumas crianças apresentavam sem haver causas orgânicas que as justificassem. A partir daí iniciamos um trabalho que consistia em idas ao abrigo, participação de momentos da rotina, brincar com as crianças, conhecer os cuidadores, oferecer momentos de formação e encaminhamento das crianças para atendimento em EP, quando necessário.
Além do acompanhamento durante os atendimentos, as idas ao abrigo são momentos importantes do trabalho com observações e intervenções em situações onde questões no desenvolvimento precisam ser cuidadas.
Observação do espaço oferecido ao bebê, dos momentos de alimentação, sono, banho, onde fica, o que gosta, quem prefere, como é sua rotina ou, ainda, o laço com o outro. Nestes encontros surgem muitas questões sobre o desenvolvimento, preocupações, dúvidas, novidades, relatos da semana, gracinhas, conquistas, fotos de diferentes momentos, visita de algum familiar.
Neste trabalho, foi muito significativo participar da organização, junto com os cuidadores para a construção de um álbum com fotos, registros da história de cada um. Isto acontece juntamente com a equipe técnica da instituição, que além da organização, contribui com as narrativas sobre cada criança.
Outra questão que surge é o trabalho sobre a separação e o que acontece nos momentos de chegada, de retorno à família ou adoção, pois são momentos onde deixam pessoas queridas, amigos, objetos, histórias. Falar destes momentos com as crianças e com os cuidadores é fundamental para que a palavra possa circular auxiliando no entendimento e elaboração. A presença de um adulto de referência é fundamental à medida que sua disponibilidade e desejo em relação a cada criança vão inscrevendo um lugar singular para cada um no coletivo da instituição. Desta forma, o acompanhamento da EP pode acontecer nos abrigos, escutando as narrativas que venham a se produzir como inscrições, auxiliando na construção da história de cada sujeito.
As situações cotidianas são momentos de encontro com o bebê, onde o olhar e a palavra colocam em evidência a qualidade dos cuidados que tem efeitos constituintes. Não se trata de oferecer ao bebê um ambiente rico em estímulos ou objetos, mas de quem está lhe apresentando o mundo, oportunizando estas experiências e transformando as atividades diárias em um cuidado que produz marcas simbólicas. A cada situação, buscamos colocar palavras que possam ser transformadas em demandas dirigidas ao outro. Acreditamos que o cuidado que necessitam os bebês refere-se às marcas, aos significantes que vão compondo a história de cada um, são cuidados banhados de palavras que possibilitam que esse pequeno ser se constitua um sujeito.
Pedagoga- Educação Especial, Psicóloga Clínica, Especialista em infra e superdotados- PUC-RS e em Problemas do desenvolvimento infantil- Centro Lydia Coriat de Poa, Mestre em Educação – UFRGS. Membro da equipe do centro Lydia Coriat de Poa; Professora do Centro de estudos Paulo César Dávila Brandão, Terapeuta em Estimulação Precoce.
Contato: e-mail: ivone_alves@yahoo.com.br Fone: 51 999826271
Psicóloga, Mestre em Educação, Especialista em Educação Especial e Processos inclusivos e Intervenção Psicanalítica na clínica com crianças e adolescentes. Integrante do serviço de EP/PI da Prefeitura Municipal de Poa, realizando atendimentos em Estimulação Precoce. Professora do Centro de Estudos Paulo César Dávila Brandão (Centro Lydia Coriat de Poa) Contato: e-mail: anacris@universolivre.com.br Fone: 51 999943317